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E a vida imita a arte: repercussão de Jogos Vorazes na Tailândia

     Quem nunca quis conhecer Hogwarts, viajar por Panem ou ter um R2-D2 para resolver seus problemas?* No mundo ficcional, tudo é possível. Mas essa barreira entre o que é ficção e o que é realidade tem estado cada vez mais tênue. A concepção da antimatéria dos motores das naves em “Star Wars”, os skates flutuantes como o do filme “De volta para o futuro” e a tecnologia de touchscreen vista em “Minority Report”; todas essas idealizações ficionais foram investigadas pela ciência e hoje já estão disponíveis na "realidade". Mas os diálogos entre universo ficcional e cotidiano vão muito além dessas invenções: estão  concentradas no âmbito do simbólico e são responsáveis por verdadeiras revoluções de ideais. Talvez o mais representativo desses conteúdos na atualidade seja "Jogos Vorazes". O terceiro filme da saga,“A Esperança – Parte I”, foi um dos mais aguardados do ano e acabou gerando grande repercussão em sua estreia.

Foto: Lionsgate

     Neste ano de 2014, jovens tailandeses foram presos após reproduzirem o gesto usado por Katniss Everdeen, personagem de Jennifer Lawrence na trilogia escrita por Suzanne Colins. A saudação de três dedos, que já provocou muita comoção na série, é usada como sinal de resistência ao governo opressor e autoritário da capital e vista como um símbolo de oposição política e solidariedade a outros rebeldes. Assim como no filme, jovens ativistas usaram o gesto para reivindicar mudanças: a Tailândia sofreu um golpe militar em maio e a intenção é protestar contra a opressão do governo.

 

     No dia 19 de novembro, cinco estudantes foram presos ao usarem o gesto durante um discurso do primeiro-ministro, Prayuth Chan-ocha, comandante do exército que liderou o golpe. As prisões não desestimularam novos protestos e no dia 20, durante a estreia do filme, mais três estudantes foram presos. O gesto foi proibido pelo governo local. “Havia certo receio de que o filme fosse banido dos cinemas para evitar conflitos, mas apesar dos protestos, ele não foi censurado”, afirma a jovem tailandesa Chloe Lim**. A rede de cinemas Apex Group, no entanto, desistiu de exibir o longa por medo de revoltas políticas. A decisão custou, de acordo com estimativas do próprio grupo, cerca de 80 mil reais.

 

     Nachacha Kongudom, 21, uma das ativistas presa nos protestos, foi liberada após assinar um documento que afirmava que não se envolveria mais em atividades políticas. Seu manifesto e posterior entrevista podem ser vistos em matéria do The Telegraph, com legenda em inglês.

     De acordo com Hin Wang**, tailandês participante do movimento, o filme reflete o que tem acontecido no país: a ideia de um levante popular contra o governo opressor. "Nós fomos obrigados a encarar um golpe militar. Não é permitido falar sobre pontos negativos do governo, pois podemos ser presos a qualquer momento. Não existe democracia, não existe liberdade. E quando o povo é reprimido, ele se levanta de alguma forma contra o opressor. Isso é o que tem acontecido, nós temos usado esse gesto para garantir nossa liberdade, para mostrar para o maior número de pessoas possível que nós podemos lutar pelos nossos direitos. Assim ganhamos mais adeptos e continuamos nossa luta por um futuro democrático”, acredita Wang.

 

    O mais interessante de tudo, segundo ele, é ver como a cultura pode ser usada como suporte político. "A sétima arte nunca foi tão responsável por uma mudança social quanto nos últimos anos. O filme não apenas provocou uma mudança de mentalidade, como também foi tido como base para a criação de uma identidade política de reivindicação.”, finaliza. 

 

    Por mais idealizados que sejam os mundos no universo ficcional, ainda assim eles constroem pontes com as realidades cotidianas. É isso que gera identificação com o público e permite que o filme extrapole os limites da ficção e reverbere na vida de cada um. Como já dizia Oscar Wilde em “Pena, Pincel e Veneno” (Pen, Pencil and Poison), “a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”. 

Trailer do filme “A Esperança – Parte I”

*Hogwarts é a Escola de Magia e Bruxaria do universo ficcional da série Harry Potter, escrito por J. K. Rowling; Panem é o mundo futurístico criado por Suzanne Collins, na trilogia Jogos Vorazes; R2D2 é o robô de Star Wars responsável pela manutenção e navegação das aeronaves.

**Os nomes dos entrevistados foram alterados a pedido dos mesmos.

© 2014 Cultura nas Ruas. 

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