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DEPOIS DAS 18 NO CALÇADÃO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

26 de setembro de 2014, 18h30min. Parado ao lado do relógio eletrônico no parque Halfeld, discuto com minha colega, Jéssica Vitorino, que fins teria tido Jordan Pereira. Ele supostamente deveria estar neste mesmo local no horário combinado, mas não fora isso que acontecera.

 

18h34min. Em uma ligação de 53 segundos, descubro que Jordan tinha passado no supermercado e estava naquele momento pronto para ir embora, esperando apenas a disponibilidade de um ônibus que o pudesse pegar no ponto e leva-lo até sua casa. Digo a Jordan que o estamos esperando no relógio do parque Halfeld. Poucos minutos depois ele aparece com sacolas plásticas nas duas mãos. Ofereço-lhe ajuda para carrega-las, e juntos, nós três enfim nos encaminhamos para o Calçadão.

 

Eu havia antes comentado com a Jéssica que desperdício haviam feito do Calçadão de Juiz de Fora. O lugar é o ponto de confluência de uma cidade que se acha grande, com seu trânsito diariamente e pontualmente engarrafado, motivo de orgulho para a cidade. Justo este lugar de total efervescência popular, o polo cultural de Juiz de Fora, é permeado de lojas que vendem meias e outras coisas, fragmentando essa massa urbana que passa por lá. O meu ideal seria deixar o calçadão transpirar sua multiculturalidade livremente, lotando-o de bares, livrarias, cinemas, teatros, museus, e mais bares. Ao invés disso, predomina-se esse conglomerado comercial, que só não é pior que seu atual concorrente, o novo shopping da cidade, outro motivo de grande orgulho, atrativo até de pessoas de cidades próximas que vem passar o sábado ou domingo em sua cor monocromática branca que ou me dá sono ou me faz sentir em um hospício, dependendo do meu humor e/ou da quantidade de pessoas na praça de alimentação.

 

Pensava nessa besteira utópica enquanto olhava para o prédio com o painel “Cavalos” de Candido Portinari, menosprezado por nossa cidade. Poucos sabem o segredo que esses cavalinhos revelam. Olhava para isso quando uma coisa estranha se aproximou do nosso trio. Um ser usando peruca e com a face toda pintada de preto se posicionou ao lado de Jordan, que estava ao lado de Jéssica, e eu, ao lado de Jéssica, agradecia a quem quer que seja por me deixar afastado dessa criatura, ficando na confortável posição de mero observador. Essa criatura, um homem com vestido, peruca e pintura, forçando uma voz que soava fina, se tratava de um ator de alguma peça de teatro vinda de outra cidade que pedia dinheiro. “Isto”, pensei, “é mais um fator que descarta a teoria de Freud de que tudo gira em torno de sexo e morte”.

 

Jordan deu à criatura umas moedas, que logo a fez desaparecer. Continuávamos descendo o calçadão. Começamos a ouvir barulhos, e eu já sabia do que se tratava. Anteriormente, indo até o ponto de encontro-mor de Juiz de Fora (o pirulito do parque Halfeld), eu já havia atravessado essa cacofonia em seu núcleo. Composto de muita gente e de muito barulho, eu a atravessara o mais rápido possível, mas pude ver do que se tratava. Um trio elétrico estava posicionado em um ponto que interrompe o calçadão, na rua Batista de Oliveira. Em frente a ele estavam muitas pessoas, das quais várias portavam bandeiras amarelas. Tratava-se de um comício da candidata a presidência Marina Silva, um acontecimento que por ironia do destino ou de quem quer que seja se alinhava ao nosso propósito no calçadão.

 

Eu, Jéssica e Jordan observávamos aquele acontecimento, ouvíamos aquela voz quase insuportável amplificada pelas caixas de som e ecoada em nossas cabeças: uma candidata à presidência do Brasil discursando teatralmente em nossa pseudo cidade grande à poucas dúzias de pessoas que nem permitiam à candidata ter uma visão do belo vazio da rua do alto do seu minitrio elético, por ocorrência das bandeiras amarelas balançantes que ocupavam todo o seu campo de visão, por vezes quase a atingindo (isso me provocou até certa admiração pela candidata, que frente a essa situação claustrofóbica mantinha alguma unidade no seu discurso).

 

Talvez produto alucinatório desse eco de alta frequência ou, o que era mais provável, produto daquela situação toda, surgiu em meio a tudo isso um ser que aparentava ter 50 anos; já não lembro muito bem seu aspecto, vestia talvez uma camisa vermelha e uma calça branca, ou o contrário, algo do tipo. O que importa é que ele usava cores não muito adequadas para aquele específico momento e local, pois eram cores que representavam um partido concorrente à candidata que discursava logo à frente. Ele entregou a cada um de nós um folheto e continuou andando enquanto nós três os líamos. Eu, Jordan e Jéssica trocamos e lemos um o folheto do outro. Chegamos à conclusão que se tratava de um louco esse cara que gastava seu tempo e talvez dinheiro para divulgar coisas tão ridículas, e ainda colocar seu email em cima, com ideias mal argumentadas atacando a pessoa que

discursava ali. Chegamos à conclusão também que devíamos conversar com esse cara, ele era outro fator inesperado que se alinhava ao nosso propósito naquele dia.

 

Depois de uns olhares trocados e de uns folhetos distribuídos aleatoriamente, ele se aproximou de nós e cantou uma música que apoiava um candidato que nem era a que discursava ali, nem era a que ele explicitava em seu traje. Jordan, o mais extrovertido e carismático do grupo, engatou uma conversa com ele. Enquanto eu tentava adivinhar o que o cara tinha usado, se era mesmo só cachaça, ou se era só loucura mesmo, senti um fedor imenso, fedor de lixo, ou de esgoto. Isso, pelo menos, ainda não era comum de se encontrar no calçadão. Em meio a esse fedor, o maluco do folheto se revelou realmente um maluco, apartidário, que nutria um ressentimento por Marina, mas que por trás disso também mantinha uma admiração passada, que segundo ele foi desprezada pela candidata. Entre várias coisas, afirmou que, se ganhasse na loteria, ele compraria um avião, contrataria um piloto e ordenaria para que o avião fosse jogado contra o Projac, sede da emissora Globo. O piloto seria poupado por um sistema que o ejetaria poucos segundos antes da colisão. A Rede Globo, a grande manipuladora de pessoas e a causa de todos os nossos problemas, estaria acabada. Acabada também estava a conversa, e cada um voltou à sua própria loucura interna. Até que não era um plano ruim.

 

Demos meia volta e voltamos por onde viemos, e notei que perto de onde estávamos haviam sacolas enormes de lixo. O porquê de eu só ter sentido o fedor quando o maluco do folheto se aproximou, só Freud explica. Estava ficando tarde, Jéssica tinha que ir embora logo mais. Decidimos que precisávamos agir rápido. Tínhamos duas opções. A mulher do carrinho de churros, que naquele momento conversava no celular ao mesmo tempo em que flertava com um cara do seu lado, ainda sem abandonar seu posto de vendedora. A outra opção, um vendedor de filtro dos sonhos, pulseiras e outras coisas exóticas, que estava comendo alguma coisa.

 

Escolhemos o vendedor. Conversamos com ele e descobrimos que assim como eu e outros 99,9% da população de Juiz de Fora, ele também não gosta das novas luminárias do calçadão, pela mistura forçosa de estilos, etc. Concluí que o 0,01% deve ter sido então o cara que mandou fazer aquilo. Dentre as mudanças que viu desde quando trabalha vendendo coisas, ele destacou as mudanças das lojas. Explicou que não tinha nenhuma crítica ou elogio muito grande a ser feito às pessoas que passam ali.

 

Agradecemos e dissemos que voltaríamos a conversar mais aprofundadamente outro dia com ele.

 

Enquanto subíamos o calçadão, o comício estava chegando ao fim, pois a candidata deveria estar algumas horas depois no Rio ou em Belo Horizonte. No que deviam ser mais de 20 horas, vimos mais um pequeno aglomerado de pessoas. Era um grupo de capoeira, que se posicionava em frente ao Banco do Brasil. Curioso eles fazerem isso naquele horário - se houvessem começado mais cedo, eles teriam muito mais visibilidade. Passamos um tempo vendo aquela dança embalada por cantigas e berimbaus. Perguntamos a uma moça se eles voltariam a se apresentar outro dia. Ela disse que não sabia, mas falou para nós perguntarmos a um senhor que cantava naquele momento. Achamos um pouco incômodo, então ela nos passou o perfil do facebook do filho dela, que faz parte do grupo de capoeira. Me perguntei se coisas assim costumam acontecer diariamente depois das 18h no calçadão. Minha resposta ainda

é não.

 

 

Vida Cultural no Calçadão

Igor Visentin, Jéssica Vitorino, Jordan Pereira e Vaninha Black

Faculdade de Jornalismo - UFJF

 

 

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